sábado, 27 de outubro de 2007

Luz de velas

Fernando Sabino, em um dia de muita inspiração, disse que "O escritor é um ser solitário que passa a vida exorcizando seus demônios". Talvez ele tenha suas razões... mas não de todo. E muito menos que eu me considere "escritora". Gosto das letras, só.

Num primeiro olhar, podemos achar que pessoas sozinhas são, necessariamente, solitárias. Então lá vou eu discordar de novo. Existe uma diferença imensa entre ESTAR só e SER só, não acha? Bom, é assim que penso.

Hoje, por exemplo, estou sozinha aqui, de molho, de castigo, me recuperando de uma gripe que virou pneumonia. No entanto, jamais me atreveria a dizer que sou uma pessoa solitária. Longe disso. E nem venha dizer que é coisa que quem sublima, viu?

Como eu posso ser solitária se esta foi uma das semanas mais agitadas de minha vida? Como poderia afirmar isso se, de repente, minha querida amiga me liga convidando para um showzinho básico no videokê? Eu nem podia, já que a tal pneumo já dava o ar de sua graça, mas fui. Resultado: pronto-socorro no dia seguinte, mas valeu. Ganhamos o troféu diversas vezes e colocamos o papo em dia. Bom demais!

No dia anterior, meu querido amigo "livre" me liga de um quarto de hotel, lá de São Paulo. Mal sabe ele que minhas paixões são efêmeras e só duram até o momento em que decido (ou decidem por mim) sair de cena. E dessa história, apesar de saber que é boa pra caramba, eu saí.

Mas voltemos à tal solidão... No meu entender, ela é, na verdade, um estado interno, que pode ser resumido por um sentimento de que algo ou alguém está faltando em sua vida naquele exato momento. Pode ainda ser uma sensação de separatividade e desconexão com algo ainda inconsciente, sendo que numa visão espiritualista é a separação de Deus, Eu Superior, Self, Vida ou o Todo.

Peraí... o sentimento de solidão pode estar presente em qualquer lugar ou situação. Você pode sentir solidão durante uma festa com os amigos, em seu local de trabalho e até mesmo dentro de casa com a própria família.

Neste momento, lembro de um belíssimo livro de Bachelard, " A chama de uma vela". Na obra, o autor nos revela que a chama de uma vela é sempre solitária, ao contrário do que acontece com as luzes das lâmpadas elétricas. Ela cria redor de si as sombras e o silêncio e nada, absolutamente nada pode perturbar sua verdade. E nos remete também ao sentido mais profundo da comunhão, essa palavrinha que parece sem sentido, mas que não ocorre em meio ao risos e sons altos das festas. Acontecem, isso sim, na ausência do outro. Quem ama conhece isso muito bem, porque é exatamente na ausência que a proximidade, paradoxalmente, é maior.

Devo confessar que a vela solitária deste magnânimo autor me ajudou a iluminar meus cantos mais sombrio. Bachelard diz ainda que "parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis". E ele teve a audácia de perguntar "Como se comporta a SUA solidão?" Acaso há solidões conjuntas? A minha é diferente da sua? Será que esse suposto "comportar" me alerta para o fato de que solidão tem vida própria? Deu até medo agora... Então o melhor é não deixar esse ser desconhecido (ou conhecido demais) crescer dentro do peito.

E para terminar esse post nonsense, mais palavras de Bachelard: "Que vejo eu, tu e todos numa vela? É um fascínio. E a luz acessa,... num quarto escuro, ... em noite cerrada ..., fala-nos de solidão. Remete-nos para o nosso passado de histórias encantadas. Transporta-nos para um outro mundo, o da imaginação e olhando lá bem do fundo ficamos à espera que o sonhador noturno, ou desesperado diurno, apague a luz e vá descansar num sono profundo".

O jeito é acender mais velas. E esperar que o vento sopre suavemente. No fim, tudo se ilumina. Tudo se apaga. E ardemos sempre. Como deve ser.

Um comentário:

Anônimo disse...

simplesmente AMEI seu texto.. outro dia voltarei ao seu blog para lê-lo com mais tempo.. beijos